Assim como o Defensa y Justicia, Sebastián Beccacece, a curtos passos e poucos holofotes, busca conquistar cada vez mais terreno no futebol sul-americano. Homem com pouca idade para os padrões dos treinadores no futebol (37), histórias polêmicas e um currículo um tanto quanto intrigante, Beccacece passa, através de suas ideias, a encantar a Argentina.
Beccacece foi, em boa parte de sua carreira – e muito de sua ideologia e conhecimento mundial surgiu assim –, braço direito de Jorge Sampaoli, ex-treinador da Argentina na última Copa do Mundo. Como assistente técnico de Sampaoli, passou por Peru e Equador até chegar à Universidad do Chile, onde tiveram sucesso, reconhecimento e conquistas. Chegou, inclusive, por Marcelo Bielsa, a ser convidado para fazer parte de sua comissão técnica – à época no Chile –, mas recusou por lealdade à Sampaoli. Na temporada 2016-2017, porém, se distanciou de Sampaoli para realizar o sonho de ser técnico e pôr em prática as ideias que tanto aprendeu durante os 15 anos de trajetória. No mesmo Defensa y Justicia, apesar de ter permanecido menos de 1 ano no comando do clube, foi capaz de, além de um destacável desempenho, eliminar o São Paulo, dentro do próprio Morumbi, da Copa Sul-Americana. Beccacece, então, de uma vez por todas, surgiu ao futebol.
Em 2017, após a demissão de Edgardo Bauza, a AFA buscou, em Jorge Sampaoli, o caminho para a regularidade que tanto faltou à equipe durante as Eliminatórias. Naturalmente, após um convite do mesmo, Beccacece voltou atrás e passou a integrar, uma vez mais, a equipe de comissão técnica do treinador argentino – dessa vez, para jogar uma Copa do Mundo. É de conhecimento geral, porém, que a irregularidade se manteve até mesmo no Mundial, além da soma de muitas polêmicas durante o torneio.
Dito isso e de uma vez por todas – ao menos até a publicação desse texto –, Sebastián Beccacece retornou ao Defensa y Justicia para terminar de escrever uma história que não havia terminado. E ainda não terminou. Dono de 7 vitórias e 5 empates em 12 jogos, o DyJ é, com 26 pontos, o 3° colocado da Superliga, estando atrás apenas de Racing e Atlético Tucumán.
Jogo posicional, saídas limpas e posse de bola
Fã assumido de Marcelo Bielsa – que também vem encantando a Inglaterra com o Leeds United – Beccacece busca, através de sua ideologia e escola, um futebol puramente ofensivo. Sendo uma equipe que não abre mão do 4-3-3 para atacar, o Defensa y Justicia mantém a invencibilidade na Superliga e chegou às quartas de final da Copa Sul-Americana com objetivos claros: vencer, convencer e encantar.
Praticante de um jogo posicional, Beccacece, iniciando a partir da saída de bola, faz com que goleiro e centrais participem do jogo e busquem gerar ocasiões através dos passes. Dito isso, Lisandro Martínez, central com maior técnica do plantel, vem se destacando individualmente com suas progressões e associações. Mais à frente, Leonel Miranda, o jogador-chave do time. Leonel, tendo sido revelado pelo Independiente e com 24 anos, é o início de tudo – muitas vezes, sendo, também, o meio e o fim. Na saída Lavolpiana da equipe, Miranda é quem se apresenta como terceiro homem para recepcionar e distribuir desde a base, enquanto laterais e todo o time posicionam-se em campo ofensivo. Com isso, amplitude no corredor por parte dos extremos, laterais-interiores, atacante em profundidade e interiores entrelinhas são nitidamente vistos e presentes.
Contra o Vélez, o goleiro Dominguez efetuou 17 passes ofensivos
Ademais, outro jogador de bastante destaque pelo futebol argentino é Nicolás Fernández. Jovem especulado fortemente em times como São Paulo e Grêmio, Nicolás é puramente habilidoso e capacitado para enfrentamentos no 1×1. Nas mãos de Beccacece – antes de sua chegada, jogava como extremo –, passou a ser usado como falso-nove muito por seu potencial e aproveitamento nas finalizações. Dito e feito. Na Superliga, por exemplo, em 11 partidas, marcou 4 gols e deu 2 assistências.
Basicamente, o que busca Sebastián Beccacece é domínio da posse e superioridade numérica a todo custo para, naturalmente, sofrer menos defensivamente. É uma espécie de ciclo: quanto mais posse de bola, menos o adversário joga. Para isso, o Defensa y Justicia atua em bloco alto, empurrando o rival para o seu campo, e atua com a maioria de seus jogadores próximos ao gol, seja para atacar ou recuperar-se rapidamente.
Pressão pós-perda é inegociável para Beccacece
O momento defensivo do Defensa y Justicia, como pode-se imaginar, é o ponto mais débil da equipe. Em um 4-1-4-1 (ora no 4-4-2), Beccacece utiliza uma marcação mista, sendo ela zonal e por encaixe, para defender seu próprio campo. Acontece que, acima de tudo e independente do tipo de marcação, o perde-pressiona é obrigatoriedade por parte dos jogadores.
Muito por posicionar-se com superioridade numérica em campo ofensivo, assim que a equipe perde a bola, pressiona o portador com alta intensidade para recuperar a posse e reiniciar a jogada.
4-3-3 padrão, fase ofensiva e fase defensiva do Defensa y Justicia
Para as equipes propositivas e que atuam costumeiramente com o bloco alto, é comum que sofram com as transições defensivas. Para o DyJ, não é diferente. Ainda que o poder de recuperação da equipe seja rápido para os padrões do futebol argentino, é natural observar a equipe em inferioridade numérica em contra-ataques adversários e, consequentemente, precisando se recuperar. Muito por isso, Beccacece quer a bola para sofrer ainda menos.
Em sua nova trajetória pelo modesto clube argentino, Sebastián Beccacece, com tempo, paciência e liberdade para trabalhar, vem implantando sua ideologia sem deixar de se adaptar ao material que possui – e sem que deixe de conquistar resultados. Dono de uma boa colocação na Superliga, tendo talentos individuais (como Lisandro Martínez, Leonel Miranda e Nicolás Fernández) e uma clara maneira de entender o jogo, o Defensa y Justicia, aos poucos, encanta o futebol sul-americano.